segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Agora és

Um tempo foi outrora, o momento que te disseram o que eras.
Aceitaste sê-lo, porque era certo, há que se dar nome ao tecto que se dorme,
há que ser coerente. Há que ser forte, mesmo não sendo,
porque já viste um incoerente doente?
Um tempo foi outrora, o momento que disseste que não eras.
E saíste do telhado, mesmo apanhando uma molha, e percebeste que o molhado
é mais saboroso com o vento, é mais verdadeiro que esse tempo,
em que foste só sendo o resultado . um dado automatizado,
daquilo que de ti se pretende.
Porque hoje és a resposta da tua factura,
não és causa imposta, és arte, és aventura de se ser exactamente o errado do outro -
de ser ser só sendo, de se ser, cérebro, alma e corpo.


Porque agora és feito da tua massa e nunca mais serás a taça de alguém


Dedicado a um amigo corajoso

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Corpo reflectido

Vi-me ao espelho. Não questionei grande coisa de momento. Não tive reacções descontroladas nem que valesse a pena grande alarido. Era eu, ali de frente, e se me voltasse, continuava a ser eu - independentemente do meu estado de humor. 
Os dias passaram. O espelho continuava inerte, à espera que o corpo reflectido denunciasse algum tipo de sensação. Nada. Um dia, soltei bafo nele, só para ver o efeito embaciado de um beijo dado num espelho - percebi que o beijo evapora mas a marca fica. Como acontece nos grandes amores.
Os dias passaram. A minha postura indiferente, pouco curiosa, começava a inquietar os dois corpos, o corpo de fora e o corpo de dentro do espelho que me fazia caretas. E eu continuava a olhar para ele com tanto desejo como se olha para um jogo de xadrez - com um fingido ar de interesse. 
Até que um dia o corpo virtual atravessou a dimensão que nos separava e esbofeteou-me. Tocou-me na cara que é minha, e fez dela uma grande bola vermelha, de olhos inchados e cheios de água. Bateu-me tanto até eu soltar um gemido, uma primeira e deserta reacção, e arranhou-me a face com veemência! Chamou-me nomes, empurrou-me contra si e gritou tanto até eu pedir que parasse. E finalmente, o meu corpo do espelho, vendo-me totalmente derrotada, suspirou e olhou para o meu corpo de todos os dias e disse:

Sempre que te olhas assim, a tua alma reage com esta tamanha violência. E é o teu corpo quem sofre.



domingo, 9 de outubro de 2011

certa da sobriedade divina

Tenho a sensação que tudo está parado. Que a vida atrancou no cais, e jura não sair dali voluntariamente.

Esperança vã. O destino, outro nome não se chama que não sorte, porque o drama, é feito na própria cama onde se dorme.
Pobre vítima da sua ilusão fugaz. Nada sou que outra qualquer não seja, nada há de mágico, tudo há de queixa, e este caminho duro terei de fazer incapaz.  Este caminho uno, terei de assumir no susto, de ser dona da minha rota. E nada me vale bocejar de sono, de olho aberto para que o destino me veja e me acorde do ar meio morto, e me livre desta ilusão platónica de ser uma tola romântica. Porque tudo são apenas palavras. Porque tudo é apenas semântica. Porque tudo não passa de um capricho chamado acaso, e não, não há amor direccionado nem talento encravado em cada um de nós. Somos acasos soltos e estranhos, que se acham gritos de moda, gritos de sangue, gritos de nada que não seja na verdade a sova, de se ser apenas humano. De se ter nascido neste, noutro ou em outro ano, porque o raio do acaso assim quis.